top of page

Epidemiologia da Parada Cardiorrespiratória e Apresentação da Diretriz

Considerações iniciais 

O SBV é considerado base fundamental para o atendimento em casos de PCR, e nele é definida a sequência primária de reanimação, incluindo reconhecimento imediato do agravo, ativação do sistema de resposta de emergência, realização de RCP precoce e de alta qualidade e desfibrilação rápida quando indicado (TOBASE et al. 2017; SANTOS et al. 2020).

O SBV consiste em um conjunto de etapas e manobras executadas sequencialmente, que incluem avaliação e intervenção imediata em cada fase da RCP, assim identificadas: C - circulação (avaliação de sinais da circulação e realização de compressões torácicas externas), A - abertura de vias aéreas (avaliação e posicionamento correto das vias aéreas), B - respiração (avaliação dos movimentos respiratórios e realização das ventilações) e D - desfibrilação precoce quando indicado. Essas recomendações são baseadas nas diretrizes da Aliança Internacional dos Comitês de Ressuscitação (International Liaison Committee on Resuscitation – ILCOR, que inclui representantes de diversos órgãos, como American Heart Association (AHA), European Resuscitation Council (ERC), Heart and Stroke Foundation of Canada (Heart & Stroke), Australian and New Zealand Committee on Resuscitation (ANZCOR), Resuscitation Council of Southern Africa, InterAmerican Heart Foundation e Resuscitation Council of Asia (RCA). Esse comitê se reúne regularmente, a cada cinco anos, desde 1999 em Dallas, para revisão de informações relevantes sobre RCP e Atendimento Cardiovascular de Emergência (ACE), com o objetivo de definir consensos e diretrizes sobre o assunto (SILVA et al. 2015; NOGUEIRA et al. 2017; BERNOCHE et al. 2019; NOGUEIRA et al. 2020).

O SBV é definido como a primeira abordagem da vítima em PCR, realizada de forma sistemática por um profissional da saúde ou por um leigo treinado, com o objetivo de restaurar e manter a circulação, a ventilação e oxigenação até a chegada de uma equipe de saúde e o início das intervenções de Suporte Avançado de Vida (SAV) (NOGUEIRA et al. 2018; LANDA; FERREIRA, 2020).

O início precoce das manobras de RCP é tão importante que, nos últimos anos, os esforços de treinamentos recomendados pelos consensos foram direcionados com maior ênfase ao público em geral. As evidências demonstram que estes indivíduos devidamente treinados, ativam precocemente a cadeia de sobrevivência e iniciam manobras de RCP o mais rápido possível, aumentando as chances de sobrevivência (TÍSCAR-GONZÁLEZ et al. 2019).

Embora as técnicas de suporte avançado melhorem a sobrevida, intervenções de suporte básico são determinantes no aumento das taxas de sobrevivência neurologicamente intacta, pois o sucesso da reanimação depende, principalmente, da efetividade das ações iniciais. Essas questões suscitam à reflexão sobre a (des)valorização do aprendizado do SBV, em face da (im)percepção de profissionais de saúde, em geral, ao considerarem o aprendizado em suporte avançado mais importante que o suporte básico (TOBASE et al. 2017).

Aspectos epidemiológicos
O sucesso de uma RCP
Aspectos epidemiológicos da PCR

A parada cardiorrespiratória (PCR) tornou-se um grande problema de saúde pública e uma das principais causas de morte no mundo nos últimos anos (HAFFNER et al. 2017; HATAKEYAMA et al. 2018; KUCKUCK et al. 2018; PEREIRA et al. 2021). A parada cardíaca súbita é uma das principais causas de morte na Europa, afetando cerca de 350.000 a 700.000 indivíduos por ano (ISKRZYCKI et al. 2018). Nos Estados Unidos, aproximadamente 290.000 pessoas sofrem parada cardíaca dentro do hospital e 350.000 fora do ambiente hospitalar anualmente, com menos de 25% e 10% de sobreviventes, respectivamente. Em todo o mundo, as taxas de incidência e mortalidade relacionadas a PCR estão aumentando (JIA et al. 2020).

Mundialmente, a PCR, é definida como a cessação abrupta da atividade mecânica cardíaca, confirmada por inconsciência (não responsividade), ausência de sinais de circulação (ausência de pulso central, carotídeo ou femoral) e apneia ou respiração agônica (gasping), presente em até 40% a 60% das vítimas; é considerada problema significativo de saúde pública, principalmente quando ocorre em ambiente extra hospitalar, no qual o determinante mais importante para a sobrevivência é a presença de indivíduos capazes de efetuar as manobras de RCP, seja um profissional de saúde, que pode aplicar técnicas de reanimação adaptadas às diferentes circunstâncias, ou o leigo treinado em ações de Suporte Básico de Vida (SBV), no caso de PCR ocorrida fora do ambiente de serviços de saúde (TOBASE et al. 2017; BRANDÃO et al. 2020; PANCHAL et al. 2020).

A PCR até pouco tempo era sinônimo de morte, pois não mais que 2% dos indivíduos sobreviviam a esse evento dramático. Hoje o índice de sobrevida chega a alcançar mais de 70% se o atendimento for precoce e eficaz, e está substancialmente relacionado ao tempo entre o incidente e o início da reanimação, e na eficácia técnica da realização de manobras de RCP. Porém, durante o atendimento de pacientes em PCR, é frequente deparar-se com profissionais que têm dificuldades em realizar o atendimento básico de urgência (NOGUEIRA; SÁ, 2017).

Este evento ganhou dimensão mundial; apesar dos avanços inquestionáveis nos últimos anos relacionados à sua prevenção e tratamento, verifica-se um índice elevado de mortes anualmente no Brasil, relacionadas à PCR, ainda que não tenhamos a exata dimensão do problema pela falta de estatísticas confiáveis a este respeito (NOGUEIRA; SÁ, 2017; PEREIRA et al. 2021).  Segundo o “Cardiômetro” da Sociedade Brasileira de Cardiologia (SBC), até dia 19 de outubro de 2019, estima-se a ocorrência de 317.219 óbitos por doenças cardiovasculares (COSTA et al. 2020).

Após identificar uma PCR, deve-se realizar imediatamente as manobras de RCP, ainda que sejam apenas com compressões torácicas externas no pré-hospitalar (Hands-Only CPR/ RCP somente com as mãos), pois estas manobras contribuem sensivelmente para o aumento das taxas de sobrevivência das vítimas. Uma RCP de alta qualidade pode duplicar ou triplicar as taxas de sobrevivência após uma PCR e depende de uma sequência de procedimentos que pode ser sistematizada no conceito da corrente de sobrevivência (SILVA et al. 2019).

A PCR é um evento dramático, responsável por morbimortalidade elevada, mesmo em situações de atendimento consideradas ideais. O tempo apresenta-se como variável importante; estima-se que cada minuto de permanência em PCR sem as manobras de RCP de alta qualidade diminuam em 7 a 10% a probabilidade de sobrevida do indivíduo (NOGUEIRA; SÁ, 2017; BERNOCHE et al. 2019; NOGUEIRA et al. 2020; CHIEN et al. 2020).

Nesse contexto, o conhecimento e atualização quanto às recomendações das novas diretrizes de RCP são essenciais para reduzir a mortalidade associada a PCR em qualquer faixa etária. O atendimento da PCR deve ser conhecimento prioritário de todo profissional de saúde, independente de sua formação e especialidade, e que no ambiente da emergência, a necessidade de atitudes rápidas e precisas determinam a indispensabilidade da contínua atualização acerca das novas diretrizes e consensos internacionais (SILVA et al. 2018; SILVA et al. 2019).

Princípios

Uma RCP bem-sucedida depende de uma sequência de procedimentos que pode ser sistematizada no conceito de corrente de sobrevivência. Esta corrente de sobrevivência é composta por elos que refletem em ações importantes a serem realizadas, cujos impactos na sobrevivência de uma vítima de PCR são grandes e que não podem ser considerados isoladamente, pois nenhuma destas atitudes sozinha pode reverter a maioria das PCRs. As evidências científicas publicadas recentemente têm apontado para uma necessidade de mudança de foco do estudo de melhorias pontuais de procedimentos isolados para uma visão de melhoria de fluxo, alterando-se toda a sequência de ações da RCP.

Ainda que muitas novas evidências científicas tenham sido incorporadas nestas novas diretrizes, a revisão sistemática da literatura apontou para algumas questões que ainda se mostram sem resposta e podem direcionar futuras pesquisas. Os pontos principais de desenvolvimento nos últimos anos podem ser resumidos em:

 

  • RCP de qualidade, sobretudo com redução das interrupções das compressões torácicas. O foco da RCP deve ser colocado em compressões torácicas de qualidade, com frequência e profundidade adequadas. O próprio sucesso de uma desfibrilação depende da qualidade das compressões torácicas realizadas.
     

  • Fatores que influenciam a performance do socorrista. Uma simplificação de procedimentos, principalmente voltada para o socorrista leigo, pode proporcionar uma maior aderência a possíveis tentativas de ressuscitação de sucesso. O melhor entendimento de eventuais barreiras para a realização de uma RCP podem gerar ações que aumentem as taxas de RCP, sobretudo no ambiente extra-hospitalar.
     

  • Registros hospitalares de RCP. Informações sobre epidemiologia e desfechos da RCP têm contribuído com informações valiosas para um maior sucesso das tentativas de ressuscitação.
     

  • Evidências insuficientes sobre drogas e dispositivos no suporte avançado de vida. Existe uma falsa impressão de que existam evidências científicas fortes sobre drogas e dispositivos para o tratamento da PCR. Infelizmente, as dificuldades de pesquisas em seres humanos, nesta área, fazem com que as evidências venham, em sua maioria, de pequenas séries de casos, sendo ainda raros os estudos científicos sistematizados, multicêntricos, com grupos controles, randomizados e com ocultação de alocação. Portanto, maior ainda é a importância de registros de grande porte, que refletem a prática do “mundo real” e que têm direcionado importantes mudanças em protocolos de RCP.
     

  • Importância dos cuidados pós-ressuscitação. Muitas vítimas de PCR ressuscitadas morrem nas primeiras 24 a 36 horas de disfunção miocárdica, e outras tantas sobrevivem com disfunção e sequelas cerebrais importantes. É necessária uma atenção especial aos momentos iniciais pós-ressuscitação, com ventilação e oxigenação adequadas, controle da pressão arterial, indicação precisa e implementação da hipotermia terapêutica e decisão sobre necessidade de reperfusão miocárdica de emergência.
     

  • Educação, implementação e retreinamento. Infelizmente, as habilidades adquiridas após um treinamento em RCP podem ser perdidas em tempo muito curto (3 a 6 meses), caso não utilizadas ou praticadas. Tal fato reforça a necessidade da simplificação do treinamento para leigos com intuito de que aspectos importantes e de impacto nos desfechos tenham maior chance de ser retidos por maiores intervalos de tempos. Por sua vez, quanto maior a necessidade de um profissional de saúde atender um caso de PCR (equipes de pronto-socorro, equipes de atendimento pré-hospitalares, equipes de códigos de parada cardíaca intra-hospitalares, intensivistas, etc.), maior a necessidade de treinamento contínuo para que domine todas as habilidades, procedimentos e dispositivos.


 

Implementar processos de melhoria contínua de qualidade não são desafios apenas para instituições, mas, também, para toda a sociedade. Em nosso meio, as disparidades de treinamento, registros e resultados são muito grandes, tanto pré quanto intra-hospitalares, e estas diretrizes podem vir a contribuir com uma maior uniformidade e com a implementação destes processos de melhoria contínua.

bottom of page